O Outono de 2012

Não pensei que 38 anos após o 25 de Abril voltaria a uma manifestação. A marcha que todos os anos contece nesse dia não conta. Essa é uma festa.

A de 15 de Setembro não foi uma festa. Foi uma coisa diferente. Uma coisa "antiga" que conheci ainda muito jovem e que pensei "arrumada" nas memórias das décadas de 70 e 80. Um desconforto e uma pulsão insurgente trespassaram cada momento, cada olhar daquela tarde. Diz-se que foi uma coisa "inorgânica", no sentido em que juntou pessoas diferentes, com "cores" distintas e provavelmente com valores opostos. Isso também não é novo. É um mau presságio.

O Outono chegou. Vem ai uma tempestade.

Ponto de não-retorno (II)

(...) No conjunto, todos estes factos mostram que se está a entrar num tempo político novo, em que a dominante da "culpa" na vida política nacional que era a rejeição de Sócrates, associada ao consenso sobre a inevitabilidade da austeridade, estão a esvanecer-se e a colocar o Governo de Passos Coelho e as suas políticas como alvo privilegiado da culpabilização dos cidadãos. Não é pequena a mudança, nem as suas consequências. Antes era possível fazer praticamente tudo, em nome do "regabofe" de Sócrates e das imposições da troika, hoje há cada vez menos margem de manobra para fazer alguma coisa, sem os efeitos perversos e o "ruído" serem maiores do que os resultados desejados. Ora, o primeiro-ministro e o Governo estão especialmente impreparados para defrontar esta situação. (...)

(...) Outro sinal da mudança do tempo político é a sensação de que tudo o que era possível fazer há um ano não foi feito como devia, e hoje já não é possível de fazer sem grandes convulsões. O Governo esgotou o tempo psicológico das possibilidades excepcionais, para passar para o tempo psicológico do cansaço com a excepcionalidade. Sem ter cumprido o seu objectivo central, nem ter feito qualquer reforma estrutural, o Governo começa a defrontar um misto de realidade e "estado de alma", o "cansaço da austeridade". O Governo entende que a austeridade pura e dura ainda só começou, as pessoas que já durou tempo de mais. O Governo acha que o "ajustamento" ainda está na infância, mas já percebeu que não vai ter os efeitos de milagre económico que esperava. As pessoas acham que o Governo teve a sua oportunidade e que a perdeu e não estão dispostas a mais sacrifícios a não ser à força e atribuem-nos cada vez mais às asneiras de Passos Coelho, a somar aos desmandos de Sócrates. (...)

Pacheco Pereira in Abrupto (versão do Público de 8 de Setembro de 2012).

Ponto de não-retorno

(...) Não é a derrapagem do défice que mata a união que faz deste um território, um país. É a cegueira das medidas para corrigi-lo. É a indignidade. O desdém. A insensibilidade. Será que não percebem que o pacote de austeridade agora anunciado mata algo mais que a economia, que as finanças, que os mercados - mata a força para levantar, estudar, trabalhar, pagar impostos, para constituir uma sociedade? (...)

(...) É pouco importante que Passos Coelho não tenha percebido que começou a cair na sexta-feira. É impensável que lance o país numa crise política. É imperdoável que não perceba que matou a esperança a milhares de pessoas. Ontem foi o dia em que muitos portugueses começaram a tomar decisões definitivas para as suas vidas, seja emigrar, vender o que têm, partir para outra. Ou o pior de tudo: desistir.

Foi isto que o Governo estragou. Estragou a crença de que esta austeridade era medonha e ruinosa, mas servia um propósito gregário de que resultaria uma possibilidade pessoal. Não foi a austeridade que nos falhou, foi a política que levou ao corte de salários transferidos para as empresas, foi a política fraca, foi a política cega, foi a política de Passos Coelho, Gaspar e Borges, foi a política que não é política. (...)


Pedro Santos Guerreio in Negócios on line de 12 de Setembro de Maio 2012, aqui.

Amor verdadeiro

Agora em discurso directo, obrigada, meu amor, parabéns, prometo plantar macieiras no dia seguinte ao dia pior da minha vida e não te esqueças disto, que um dia escrevi num sítio esquecido: "Aprendi a sabedoria de dizer esta sou eu, sem medo, e queria que soubesses e sentisses que sou tão feliz na nossa ansiedade partilhada como o era após o jantar sentada no teu colo com a tua gravata gravada na minha face. Não há tempos díspares, portanto, entre nós, como um dia escreveram; há antes uma intensa proximidade, calhando apenas que eu falo mais porque conto com a tua prudência e porque sinto que te faz bem o choque emocional feito em verbo. (...)
(...) Não trocava a minha ansiedade e a dor dela pela calma feliz que tem o preço da não-reflexão. O mesmo é dizer que gosto de ti sempre pronto a explodir".

Excerto da carta de Isabel Moreira nos 90 anos de Adriano Moreira. Publicada no Público, 6 de Setembro de 2012.