Ponto de não-retorno (II)

(...) No conjunto, todos estes factos mostram que se está a entrar num tempo político novo, em que a dominante da "culpa" na vida política nacional que era a rejeição de Sócrates, associada ao consenso sobre a inevitabilidade da austeridade, estão a esvanecer-se e a colocar o Governo de Passos Coelho e as suas políticas como alvo privilegiado da culpabilização dos cidadãos. Não é pequena a mudança, nem as suas consequências. Antes era possível fazer praticamente tudo, em nome do "regabofe" de Sócrates e das imposições da troika, hoje há cada vez menos margem de manobra para fazer alguma coisa, sem os efeitos perversos e o "ruído" serem maiores do que os resultados desejados. Ora, o primeiro-ministro e o Governo estão especialmente impreparados para defrontar esta situação. (...)

(...) Outro sinal da mudança do tempo político é a sensação de que tudo o que era possível fazer há um ano não foi feito como devia, e hoje já não é possível de fazer sem grandes convulsões. O Governo esgotou o tempo psicológico das possibilidades excepcionais, para passar para o tempo psicológico do cansaço com a excepcionalidade. Sem ter cumprido o seu objectivo central, nem ter feito qualquer reforma estrutural, o Governo começa a defrontar um misto de realidade e "estado de alma", o "cansaço da austeridade". O Governo entende que a austeridade pura e dura ainda só começou, as pessoas que já durou tempo de mais. O Governo acha que o "ajustamento" ainda está na infância, mas já percebeu que não vai ter os efeitos de milagre económico que esperava. As pessoas acham que o Governo teve a sua oportunidade e que a perdeu e não estão dispostas a mais sacrifícios a não ser à força e atribuem-nos cada vez mais às asneiras de Passos Coelho, a somar aos desmandos de Sócrates. (...)

Pacheco Pereira in Abrupto (versão do Público de 8 de Setembro de 2012).

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